GAIOLAS E VATICANOS
EMBARCAÇÕES AO LONGO DO TEMPO
A VASTA rede
fluvial da Amazonia oferece todas as possibilidades para o transporte que se
realiza, na região, por numerosos tipos de embarcações, indígenas ou não,
escalonadas desde as primitivas “ubás” de casca de pau ou de madeira das
árvores, até os navios movidos a hélice, de construção inglesa ou holandesa,
“gaiolas” ou “vaticanos”.
As ubás, de
tamanho variável, desconfortáveis, sem quilha, são movidas por meio de varas ou
pás e constituem as canoas típicas dos silvícolas.
Delas
surgiram a “igara”, a “igaramirim”, a “igaraçu” isto é, a canoa, a canoa
pequena, a canoa grande e, ainda, a “igarité” ou “canoa verdadeira”, maior que
a “montaria” e menor que a “galeota”. A “montaria” teve papel histórico
importante no desbravamento da Amazônia. Sua função na colonização da Amazônia
foi análoga à do cavalo na zona pastoril. Sua missão ainda hoje é a de
transportar o caboclo qual equino deslizando sobre as águas dos rios.
Da forma e
construção das ‘igarités’, salientam-se pela grandeza e pelas toldas de pano,
as embarcações empregadas nas grandes navegações e nas primeiras explorações
dos rios amazônicos, de que resultou provavelmente a galeota, com a sua tolda
corrida e a parte da popa fechada em volta, onde o “regatão” mora, durante as
suas viagens comerciais pelo interior. Deslocando de duas a quatro toneladas, a
galeota é impulsionada por dois remeiros, sentados sob a tolda e utilizando
remos de caibros fortes, ajustados para os punhos.
As igarités
empregadas na pesca do mar e rio, de boca aberta, “parecendo as velas, asas de
morcego”, redondas quase, denominam-se “vigilengas”, assim chamadas por terem
os primeiros modelos saídos de Vigia, no Pará. São facilmente reconhecíveis
pelo casco negro e pano avermelhado, tingido de macuri, quase sempre.
Possuindo tolda
pequena para os cinco tripulantes, na popa, salientam-se, no Pará, “gambarras”,
que podem transportar até 80 bois, no seu serviço de condução do gado da ilha
de Marajó e, também, as grandes balsas dos índios Paumaris, denominadas
“itapabas”, verdadeiras casas flutuantes, com camarim ou casa de palha ao
centro, impulsionadas a zinga ou vara.
Todos esses
tipos de embarcações existem na Amazônia, ainda nos dias correntes, apesar da
revolução operada nos meios de transporte, a partir de 1866, quando foi o
Amazonas aberto à navegação internacional e nele introduzida a navegação a
vapor.
Em nossos
dias as embarcações que trafegam nos rios amazônicos e, em geral, nos do
Brasil, segundo explica o engenheiro Moacir Silva, são de construção apropriada
a essa navegação, sendo algumas de propulsão à roda, de lado, ou de popa, fundo
chato e pequeno calado.
Lembrando o
aspecto das barcas que realizam o transporte entre Rio e Niterói, as “chatas”,
cuja denominação talvez provenha de seu calado mínimo e de seu casco chato, são
navios de roda à popa, que trafegam no alto Purus, alto Juruá e Acre durante o
verão. São embarcações de três pés de calado, no mínimo e de umas duzentas
toneladas de deslocamento, encerrando duas toldas, máquinas em cima do convés,
tipo de que o SNAAPP (Serviço de Navegação da Amazônia e da Administração do
Porto do Pará) possui um, pelo menos, com 303 toneladas brutas.
Ao contrário
das chatas, que são do tipo inglês, as “chatinhas” têm apenas 160 toneladas
brutas, como as atuais do SNAAPP e se destinam, também, aos altos cursos dos
rios, à navegação em trechos de profundidade escassa, onde embarcações de
grande porte não podem ser utilizadas. Trazem roda à popa e pertencem a modelo
americano, possuindo o SNAAPP nove desses navios fluviais.
Todavia, o
mais característico navio da Amazônia é o “gaiola”, cuja influência na vida
amazônica foi estudada pelo escritor Raimundo Morais, em ‘Na Planície
Amazônica’. Ele explica que, “da elevada superestrutura, desenvolvidas obras
mortas, dois conveses, camarotes nas amuradas, adveio-lhe o apelido irônico e
pitoresco de “gaiola”.
Pondo em
comunicação as cidades, vilas, povoados e barracões situados à margem dos rios,
o gaiola tem sido um dos fatores de maior influência política, social e
econômica na vida da Amazônia.
Com uma
chaminé apenas, os gaiolas são navios geralmente do tipo inglês, de tonelagem
bruta variável, entre 167 e 600, como sucede com os atuais do SNAAPP.
Há, porém,
gaiolas de rodas na popa e nos flancos, de uma e duas hélices, de três a doze
pés de calado e de construção outra que não a inglesa.
Nos de dois
conveses, situam-se no primeiro os guinchos, escotilhas, cozinha, rancho,
camarotes de oficiais, casa das máquinas e, no segundo, as cabines, o bolinete,
máquina do leme, copa, bar, despensa, instalações higiênicas, caixa de fumaça,
mesas de refeição, sendo de dois e quatro beliches a capacidade de cada
camarote.
Mais
suntuosos, construídos nos Países-Baixos, movidos por duas hélices, com duas
chaminés paralelas, de oito a nove milhas de andadura, iluminados a luz
elétrica, os “vaticanos” são gaiolões de 900 a 1.000 toneladas, que oferecem
comodidades maiores aos passageiros, em relação a navios menores em que são
obrigados a viajar, pelos rios da Amazônia, nos trechos fora do alcance dos
“palácios flutuantes”, cuja impressão à noite, deixada por sua esplêndida
iluminação, explica, segundo Raimundo Morais, o apelido de “vaticano”,
justificando, ainda, pela ideia de massa e de conforto que esses navios
fluviais do Amazonas dão, no momento.
Na parte
inferior dos “vaticanos” acham-se as mesas e, ao lado, instalações higiênicas,
ficando ao fundo a copa, em seguida um salão e, lateralmente, os camarotes e
camarins telados, os quais também existem na frente do navio, deixando, entre
si, um salão para música. Na parte superior do “vaticano” situa-se a casa de
comando e os camarotes da oficialidade e, à retaguarda, o barbeiro. Em baixo,
junto à carga, viajam os passageiros de terceira classe, onde não há camarotes
e o desconforto é a regra geral.
Atualmente
se observa a tendência para denominar-se chatões aos “vaticanos”, dos quais os
do SNAAPP são de 951 toneladas e fazem o tráfego principal de Belém a Manaus. A
gravura representa dois tipos modernos de navios da Amazônia.
(in Revista
Brasileira de Geografia — Ano 4, n° 2)
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