REFORMA DA PREVIDÊNCIA: EXPLICAÇÃO DESCOMPLICADA
O Poder
Executivo apresentou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC 287-2016), para fazer a chamada “reforma da previdência”. Esta PEC prevê mudanças radicais e pesadas
para servidores públicos, militares e trabalhadores da iniciativa privada. Como
sou especializado em iniciativa privada, vou me limitar, aqui, às mudanças
apresentadas no chamado RGPS – Regime Geral de Previdência Social.
ANTES DE MAIS NADA: para quem já está recebendo benefícios não
muda nada, ok? As mudanças são só para benefícios a serem concedidos depois que
a PEC for aprovada (a título de curiosidade, em 1998 teve uma PEC dessas, e ela
demorou quase um ano para ser aprovada. Trata-se da a famosa Emenda 20-1998).
Vamos
conversar, aqui, benefício por benefício, ok? Vou partir da lista de benefícios
existente no Art. 18 da Lei de Benefícios da Previdência
Social, que diz:
Lei 8.213, Art. 18. O Regime
Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas
inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em
benefícios e serviços:
I - quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de
contribuição;
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II - quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
III - quanto ao segurado e
dependente:
b) serviço social;
c) reabilitação profissional.
A PEC não mudou nada nos
seguintes benefícios:
I - quanto ao segurado:
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
III - quanto ao segurado e
dependente:
b) serviço social;
c) reabilitação profissional.
Vamos,
então, tratar do que sobrou. Vou colocar os benefícios em outra sequência aqui
(não vou seguir a mesma ordem acima), ok? Estou separando em dois grupos: os
benefícios por incapacidade (aqueles que precisam de uma incapacidade para o
trabalho para serem concedidos) e os benefícios programáveis (não precisa ficar
incapacitado).
Antes, deixa
eu agradecer minha amiga Dra. Adriane Bramante, que me ajudou na corrigindo alguns
detalhes.
Primeiro, os
benefícios por incapacidade.
Auxílio-doença:
A PEC fala em “incapacidade temporária
para o trabalho”. Parece que não mudou nada, mas mudou o conceito – na
verdade, o conceito foi corrigido – e isso poderá alterar todas as interpretações
sobre o que é incapacidade temporária.
Valor: Pelo
que se entende do texto, não houve nenhuma mudança. Ou seja, continua sendo 91%
da média salarial.
Aposentadoria
por Invalidez: Está sendo denominada “incapacidade permanente para o trabalho”.
Também parece que não mudou nada, mas mudou o conceito, e isso poderá alterar
todas as interpretações sobre o que é incapacidade permanente.
Valor: hoje
a aposentadoria por invalidez é de 100% da média salarial. Agora ficou assim:
se for decorrente de acidente do trabalho, continua sendo 100% da média. Caso
contrário, será de 51%, mais 1% para cada ano completo de contribuição, até o
máximo de 100%. Significa que se a pessoa trabalhou um ano e ficou inválida, a
aposentadoria será apenas de 52% da média.
Pensão por
Morte: Volta a regra de 1960: a pensão passará a ser dividida em pedaços.
Serão: 50% de parcela familiar, fixa, mais 10% para cada dependente, até o
máximo de 100%. À medida que o dependente vai deixando a condição de
dependência, seus 10% acabam. Exemplo: Trabalhador morre, deixando esposa e um
filho de 20 anos de idade. A pensão será de 70% (50% de parcela familiar, 10%
da esposa e 10% do filho). A esposa vai receber de acordo com a idade (aquela
tabela criada ano passado), e o filho até os 21 anos. Portanto, durante um ano
a pensão será de 70%; quando o filho atingir os 21 anos, a pensão vai cair para
60%. Além disso, a pensão pode ter valor inferior a um salário mínimo. Imagine
uma pessoa que consegue seu primeiro emprego, recebendo em média R$ 1.500,00
por mês, e tem apenas um filho menor como dependente. Trabalha dois anos, e num
fim-de-semana (fora do trabalho) sofre um acidente e morre. Sua média salarial
será de aproximadamente R$ 1.500,00, e uma aposentadoria por invalidez seria de
um salário mínimo (a pensão é calculada a partir da aposentadoria por invalidez
e esta, como vimos mais acima, será de apenas 52%. Como 52% de R$ 1.500,00 dá
R$ 780,00, e a aposentadoria não pode ser menor que um salário mínimo, esta
seria de R$ 880,00). A pensão será de 60% dos R$ 880,00, ou seja, R$ 528,00.
Auxílio-Reclusão:
A Lei diz que este benefício segue as mesmas regras da pensão por morte. Logo,
as mudanças acima se aplicam igualmente ao auxílio-reclusão.
Agora, vamos
aos benefícios “programáveis”, que hoje são basicamente três: aposentadoria por
idade, aposentadoria por tempo de contribuição, e aposentadoria especial. Cada
um destes três possuem um conjunto de regras diferentes, o que daria uma lista
enorme de opções. Por exemplo, só para pessoas com deficiência são pelo menos
oito regras diferentes, dependendo da idade, do sexo, do grau de deficiência...
Bem, vamos às mudanças.
Em primeiro
lugar, para estes benefícios passamos a ter, praticamente, “dois INSS
diferentes”: um para o grupo de pessoas que já tem uma certa idade, e outra
para os mais novos. Vou chamar estes grupos de “experientes” e “inexperientes”.
Por favor, não quero ofender ninguém, ok? É só para facilitar mesmo.
Quem são
os experientes:
Trabalhador
rural¹ com 45 anos de idade;
Trabalhadora
rural¹ com 40 anos de idade;
Mulheres
(não rurais) com 45 anos de idade;
Homens (não
rurais) com 50 anos de idade.
Por
exclusão, os inexperientes são os que ainda não atingiram as idades
acima.
Primeiro,
vamos tratar os “experientes” (tecnicamente, chamamos isso de “regra de
transição”):
Aposentadoria
por Idade: a idade continua a mesma de hoje, ou seja, 65 anos para o homem, 60
anos para a mulher, com redução de cinco anos em caso de trabalhadores rurais e
segurados com deficiência. O que muda é o tempo de contribuição exigido: hoje é
de 180 contribuições mensais (15 anos completos); agora, passa a ser estas
mesmas 180 contribuições, mais um “pedágio” de 50% do tempo que falta para
atingir 180 contribuições na data da Emenda. Consideremos um homem que, na data
da publicação da Emenda, terá 52 anos de idade, com 13 anos completos de
contribuição. Tem mais de 50, portanto é “experiente”; como faltam dois anos
para completar o tempo mínimo de contribuição, ele terá que contribuir, no
total, por 16 anos (os 15 anos que já são exigidos, mais um ano, que é metade
dos dois anos que faltam).
Valor: A
renda será de 51% da média, mais 1% para cada ano completo de contribuição
(grupo de 12 contribuições). Portanto, para se aposentar com 100%, a pessoa
terá que contribuir por 49 anos. No exemplo acima, se ele contribuir apenas os
16 anos requeridos, terá uma aposentadoria de 67% da média salarial (51 + 16 =
67).
Aposentadoria
por Tempo de Contribuição: hoje, o homem tem que comprovar 35 anos de
contribuição, e a mulher 30 anos – professores tem que comprovar cinco anos a
menos, e pessoas com deficiência também tem o tempo reduzido conforme o grau de
deficiência. Agora, estas pessoas terão que comprovar o mesmo tempo de
contribuição, mais um pedágio de 50% do tempo que, na data da publicação da
emenda, faltar para atingir estes tempos aí. Imagine uma mulher que, na data da
emenda, terá 45 anos de idade e 24 anos de contribuição: para os 30 anos
faltarão seis. Metade de seis é três. Portanto, ela terá que contribuir por 33
anos: os 30 anos exigidos hoje mais três do pedágio. Significa que ela terá
direito à aposentadoria aos 54 anos de idade.
Valor: a
regra é a mesma da aposentadoria por idade, ou seja, 51% da média, mais 1% para
cada ano completo de contribuição. Usando o exemplo acima, a segurada vai
contribuir por 33 anos, e terá uma renda de 84% da média (51 + 33 = 84). Pelas
regras de hoje, o Fator Previdenciário ia derrubar a aposentadoria dela para
60% da média (aos 30 anos de contribuição), ou para 73% quando completasse os
33 anos de contribuição. Logo, a nova regra, apesar de demorar um pouco mais
para se aposentar, dará uma renda mais vantajosa.
Aposentadoria
Especial: Não tem regra específica para os “experientes”. Ou seja: se a pessoa
já tem direito à aposentadoria especial, pode requerer e pronto. Se ainda não
tem direito, vai direto para a regra dos “inexperientes”.
Vamos,
então, às regras para os “inexperientes” (tecnicamente, chamamos isso de “regra
permanente”):
Aposentadoria
por Tempo de Contribuição e Aposentadoria por Idade: Passam a ser uma coisa só,
e exigirão 65 anos de idade e 25 anos de contribuição para todo mundo,
independentemente do sexo. Esta idade mínima vai aumentar toda vez que a
expectativa de sobrevida subir um ano completo. Para pessoa com deficiência, a
idade poderá ser reduzida em até 10 anos, e o tempo de contribuição em até
cinco anos. Não tem mais exceção para professores nem para trabalhadores
rurais: ou seja, tirando as pessoas com deficiência, todo o resto terá que ter
65 anos de idade e 25 anos de contribuição.
Valor: a
renda será de 51% da média, mais 1% para cada ano completo de contribuição.
Imaginando aquela pessoa que vai contribuir só o tempo mínimo (25 anos), a
renda será de 76% da média (51 + 25 = 76). Para chegar a 100%, a pessoa terá
que contar com 49 anos de contribuição. Imaginando aquela pessoa que começar
contribuir aos 16 anos de idade, e nunca deixar de contribuir, chegará aos 65
anos com os 49 necessários de contribuição, e conseguirá aposentadoria
integral. Só que a expectativa de vida continua aumentando... Ou seja, quando ele
completar os 49 anos de contribuição, provavelmente a idade mínima terá
aumentado, e ele não conseguirá se aposentar.
Aposentadoria
Especial: A PEC só fala que para as pessoas “cujas atividades sejam exercidas
sob condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde” a idade poderá
ser reduzida em até 10 anos (ou seja, 55 anos de idade) e o tempo de
contribuição poderá ser reduzido em até cinco anos (ou seja, mínimo de 20 anos
de contribuição).
Valor: mesma
história dos outros casos, 51% da média mais 1% para cada ano completo de
contribuição. Pensando na pessoa que vai trabalhar 20 anos e, ao fim deste
período, tiver os 55 de idade e a saúde prejudicada, terá 71% de aposentadoria
(51 + 20 = 71).
De forma bem
simples, esta é a proposta apresentada pelo Executivo.
A Câmara dos
Deputados recebeu a Proposta, mas não há um prazo legal para avaliar, analisar,
discutir e aprovar – ou não. Só a título de exemplo, a PEC 31/2007, que trata
da reforma tributária, está lá – isso mesmo – desde 2007 sendo discutida. Ou
seja, praticamente 10 anos de discussão. Uma das reformas feitas na
previdência, em 1998 (Emenda nº 20), ficou
quase um ano sendo discutida. O que isto significa? Significa que o Congresso
pode fazer um esforço e aprovar rapidinho, mas também pode enrolar, deixar de
lado, e a PEC ficar dormindo lá por 10 anos, como está a da Reforma Tributária.
É isso.
Um abraço, e
até a próxima!
(¹)
Empregado rural, contribuinte individual rural e trabalhador avulso rural.
-
O Prof.
Emerson Lemes Costa é autor do excelente livro de cálculos previdenciários “Manual dos Cálculos Previdenciários – Benefícios e Revisões”.
Para quem
quiser saber mais sobre o tal "rombo previdenciário" do qual o
governo tanto está falando e porque este argumento é MENTIROSO, recomendo
meu artigo, escrito há alguns meses: O rombo da Previdência é uma mentira! O deficit previdenciário
não existe.
Aos meus
leitores, peço desculpas por não ter escrito um artigo esta semana. Estou
preparando algumas aulas novas para o meu curso de cálculos previdenciários e
fiquei totalmente sem tempo! Mas fiquei muito feliz pelo Prof. Emerson ter
permitido eu trazer este artigo dele para vocês! Certamente, o conteúdo é muito
bem escrito e da maior relevância.
E aqui você
pode fazer o download gratuito da minha Ficha de
Atendimento a Cliente para Causas Previdenciárias (clique no link para
ser redirecionado). Tenho certeza de que ela vai ser bastante útil para você!: FONTE
Por: Copyright© 2019 @Kbym
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