“O MUNICÍPIO”
O MUNICÍPIO FOI LANÇADO EM 28 DE SETEMBRO DE 1910 NA
LOCALIDADE ACREANA DE VILLA SEABRA
Fundado e
dirigido por Pedro Gomes Leite Coelho, o semanário O Município foi
lançado em 28 de setembro de 1910 na localidade acreana de Villa Seabra, na
confluência dos rios Murú e Tarauacá, onde atualmente se encontra a cidade de
Tarauacá. Em 1910, Villa Seabra fazia parte do Departamento do Alto Juruá, uma
das divisões geo-administrativas que havia no então Território do Acre até
1920, quando foram extintas.
Segundo o
editorial da edição de lançamento, O Município foi o primeiro jornal
das imediações do rio Tarauacá. Criado para defender os “interesses do Acre e
de sua vila” e bastante aguerrido, o periódico defendia as iniciativas privadas
do Tarauacá-Murú, bem como o conselho municipal que administrava Villa Seabra.
Em geral, o jornal era legalista, opondo-se a revoltas locais de cunho político
e destituições de governantes, algo comum no Brasil no início do século XX. Por
isso o periódico foi contra o Movimento Autonomista do Acre, que pleiteava a
sua transformação em estado (o que só ocorreria em 1962). Anos depois, no
entanto, o jornal apoiaria a Revolução de 1930.
Como o seu próprio nome revela, o jornal era partidário da elevação de Seabra à
categoria de cidade, algo que só aconteceria em 1920. O editorial da primeira
edição já afirmava:
Município,
sim; porque se não é já lei do paiz o projecto que o destina a isso, sel-o-a em
poucos dias; e o nosso titulo é uma garantia para os tarauacaenses de que
seremos incansáveis na sua defesa, trabalhando para o seu engrandecimento,
mostrando aos altos poderes da Nação que temos direito de ser contemplados com
maior somma no inventario da verba para o desenvolvimento material do
Departamento, já que concorremos com grande importancia para o erário público.
O editorial
anunciava que, “dentro da moral e dos
bons costumes” e reconhecendo o papel da imprensa periódica como meio de
instrução popular, o jornal aceitava colaborações escritas que tratassem de
assuntos de interesse geral ou de literatura. Atos oficiais seriam apreciados
com “discernimento; não lhes negaremos elogios, assim como não lhes
regatearemos censuras”.
Nos
primeiros anos, o semanário se posicionou fortemente contrário ao movimento
revolucionário pela independência do Acre, que ocorreu de junho e setembro de
1910. Iniciado em Cruzeiro do Sul, capital do Departamento do Alto Juruá, o
episódio é lembrado como a Revolta dos Cem Dias. Durante a revolução, o Acre
foi governado provisoriamente por Antonio Antunes de Alencar e uma junta
composta por integrantes do então Partido Autonomista – Francisco Freire de
Carvalho, Mâncio Lima e José Bussons. Um texto de Bezerra Filho, publicado no
primeiro número, protestava contra a escolha de um intendente para o
Tarauacá-Murú, feita “arbitrariamente,
criminozamente” pela junta governativa revolucionária. Edições posteriores
ainda tratariam dos desdobramentos negativos da Revolta dos Cem Dias e, mesmo
com o fim do levante, o periódico continuava opositor aos governantes do
Departamento do Alto Juruá. Pouco tempo depois, ainda se mostraria contrário à
Revolta de Sena Madureira, em junho de 1912.
O jornal publicava artigos de opinião, crônicas, colaborações literárias,
reivindicações públicas, atos oficiais (em alguns momentos), homenagens,
notícias policiais, chegadas e partidas de figuras ilustres à vila, telegramas,
textos da imprensa de fora do Acre, transcrições de discursos, textos a
pedidos, colunas sociais, folhetins (a partir de julho de 1915), anúncios etc.
Circulando em tamanho standard, com quatro páginas separadas em cinco colunas
de texto, cada exemplar do jornal custava 1$000. Assinaturas anuais podiam ser
feitas a 50$000.
Entre os principais temas abordados pelo semanário figuravam o desenvolvimento
do Acre, o cotidiano da administração pública em Tarauacá, o projeto de
Justiniano Serpa para a autonomia do Acre, a reorganização territorial acreana
de 1912 (ver edição de 14 de abril deste ano), a instituição do regime
municipal e a organização político-partidária no território federal acreano,
atividades de clubes e associações na região do Tarauacá-Murú, questões
comerciais locais, infraestrutura geral nos Departamentos do Acre, navegação na
rede fluvial local (incluindo a ação da Liga Marítima Brazileira naquelas
paragens), comunicação e serviço postal no Acre (ver a instalação do telégrafo
no Tarauacá-Murú na edição de 22 de setembro de 1912), a economia da borracha,
saúde pública, melhorias na educação local, questões jurídicas, as injustiças
do governo central contra o Acre, o alto índice de criminalidade na região do
Tarauacá-Murú, polêmicas entre figuras públicas locais, congressos
seringalistas, política nacional, variedades na Villa Seabra, história,
jornalismo, direitos da mulher, ciências e invenções, literatura e grandes
literatos, notícias sobre outras cidades do interior acreano e sobre todo o
Brasil, noticiário estrangeiro, etc.
Entre os
colaboradores de O Município (muitos deles com matérias publicadas em
jornais do Sudeste e reproduzidas pelo jornal) estavam Bezerra Filho, Sansão
Gomes de Souza, Francisco de Assis Bezerra, M. Wergniaud da Rocha, Joaquim
Gondim, Catulle Mendes, Quintela Júnior, Fernandes Távora, Francisco do Valle
Mello, Lourenço Moreira Lima, Francisco Bayma, Gil Gonçalves, entre outros.
A notícia do
desmembramento do Departamento do Alto Juruá em 1912 e da criação do
Departamento do Tarauacá, tendo Villa Seabra como sede, foi publicada no dia 10
de novembro daquele ano. O jornal comemorou a libertação da “tutela do Cruzeiro
do Sul, que pouco caso ligou na nossa menoridade”. O prefeito nomeado para o
novo departamento, Antonio Antunes de Alencar, apesar de seu envolvimento com a
revolta autonomista de tempos atrás, era visto com bons olhos pelo jornal. A
instalação definitiva da nova divisão deu-se em 19 de abril de 1913. Nesse
ano O Município tinha Rocha Brazil como redator-secretário e Ângelo
Silveira como gerente de oficinas, além de Pedro Leite, o redator-proprietário.
Embora sem ter seu nome no expediente, Henri Eugène Frossard era o subgerente
do jornal.
Ainda em 1913, o semanário havia estabelecido um contrato com a prefeitura de
Antunes de Alencar para a publicação de atos oficiais. Em novembro daquele ano,
porém, passou a questionar o governo local sobre o destino de 520 contos de
réis remetidos do Congresso Federal ao Departamento do Tarauacá. Com o fim do
contrato com a prefeitura para a publicação de seus atos em dezembro de 1913, e
a não-renovação por parte de Pedro Leite, Antunes de Alencar foi obrigado a
adquirir equipamento tipográfico de Manaus para o lançamento de uma folha
oficial, O Estado. Como insistisse em questionar o sumiço do dinheiro público
federal em uma série de artigos, as relações do jornal com a prefeitura se
tornaram mais tensas.
No dia 22 de
fevereiro de 1914, O Município foi empastelado e só voltou a circular
em 5 de agosto de 1914, quando denunciou o fato:
Queimaram O Município para evitar a analyse rigorosa e enérgica
dos actos do governo desta Prefeitura, (...) na altura dos patifes,
peculatarios e mashorqueiros que nos administravam, nós (...) procurávamos
esclarecer a verdade e mostrar (...) a trilha aladroada palmilhada pelos
aventureiros, vigaristas e fintadores audazes que conseguiram empolgar os
cargos administrativos do Tarauacá. Foi naquela phase aguda, em que o Prefeito
desviou cerca de 520 contos de réis, (...) que resolveu (...) mandar atear fogo
á nossa redacção.
Segundo o
jornal, o prefeito Antonio Antunes de Alencar, apontado como o responsável pelo
ato de violência, havia forjado um boletim atribuído à própria prefeitura e
responsabilizou o jornal por sua publicação. Após o ocorrido, Alencar abandonou
o Departamento do Tarauacá com seu grupo, sendo substituído pelo primeiro
subprefeito, o coronel Bento Annibal do Bomfim, o que possibilitou ao jornal a
retomada da circulação.
Ao voltar a
circular, em 5 de agosto de 1914, o jornal protestou contra José Vicente
Assumpção, líder político local que teria ameaçado novamente o jornal, caso
reaparecesse com a mesma linguagem. O semanário manteve a linhas de agressiva
oposição a Antunes de Alencar e aos seus aliados – alguns ainda na cidade –,
explorando o incêndio à sua sede e algumas vezes entrando em choque com o
jornal O Estado. No plano nacional, o semanário demonstrava insatisfações
com o governo Hermes da Fonseca e Pinheiro Machado, chefe do Partido
Republicano Conservador (PRC). No expediente, na ocasião, o jornal passou a ter
Benedicto Gil como seu editor-responsável e Henri Frossard como seu impressor,
tendo ainda Angelo Silveira como gerente. Dizendo-se “órgão independente de
maior circulação nesta zona territorial”, era impresso em máquina própria, uma
“Reddish” a vapor.
Tendo
considerado bom o governo de Annibal do Bomfim na prefeitura do Departamento do
Tarauacá, entre o fim de 1914 e o primeiro semestre de 1915, O Município testemunhou
a substituição de Bomfim por um desafeto, o coronel José Vicente Assumpção
(oficialmente, Antunes de Alencar ainda era o prefeito em exercício). O jornal,
no entanto, não fez oposição agressiva ao novo ocupante do cargo, mantendo tom
crítico sem arroubos e acusações escandalosas. Ademais, o noticiário sobre a
Primeira Guerra Mundial tomava boa parte de suas páginas, assim como a presença
de Rui Barbosa na Segunda Conferência de Paz em Haia, na Holanda.
A situação
do jornal veio a piorar com o poder local logo no início de 1916. Na edição de
2 de janeiro daquele ano, alertava:
Estamos
ameaçados de um ataque á mão armada pela força publica desta villa, a
disposição do Sr. José Vicente Assumpção, de mãos dadas com o sr. tenente que a
commanda Manoel C. Victal Sobrinho, chefiados pelo sr. tenente-coronel
Francisco Olympio, a quem o prefeito obedece cegamente. O publico sabe da
ameaça á vida do director deste jornal feita no dia 19, quando vieram sete
praças arrear o pavilhão nacional da fachada do edifício onde funciona a nossa
typographia.
Nas edições seguintes, a partir de 9 de janeiro, criticava ferozmente o jornal
oficial da prefeitura, O Departamento, “echo da mentira official”. A
insatisfação duraria até abril de 1916, quando, no dia 9 daquele mês,
revelou-se entusiasmado com a posse de José Thomaz da Cunha Vasconcellos na
prefeitura do Tarauacá. O jornal era partidário não só do novo mandante, mas
também do intendente municipal, Sansão Gomes de Souza. Enfim, O Município passava
a ser um órgão que, ao menos aparentemente, não fazia oposição ao governo
local. Naquele ano, a Campanha Nacionalista de Olavo Bilac e o candidato ao
governo do Amazonas, general Gregório Thaumaturgo de Azevedo, do Partido
Republicano Liberal do Amazonas, também foram apoiados em suas páginas.
O ano de 1917 foi turbulento para o jornal. A edição de 14 de janeiro foi
confiscada e a do dia 16 publicou um grande espaço em branco na capa, contendo
apenas o título “A prizão do nosso director, effectuada ante-hontem”. A mesma
edição também comemorava a ascensão de Júlio Pereira Rocque ao cargo de 2º
subprefeito do Departamento do Tarauacá.
Em meados de 1917, o jornal sofreu novo empastelamento e teve que interromper a
circulação. Ao voltar a circular, apresentou novo formato (menor) e mais
páginas (seis). O semanário destacava o seu reaparecimento, “glorificado” pela
“alegria popular”. Durante boa parte do hiato na circulação, Pedro Leite esteve
foragido em Manaus. A quebra na regularidade da circulação coincidiu com
mais um período delicado vivido pela prefeitura local. Irregularidades na
gestão do prefeito Cunha Vasconcellos fizeram com que fosse afastado do cargo
em fevereiro de 1918, embora continuasse oficialmente em exercício. Também o
jornal local A
Reforma fez dura oposição ao prefeito, acusando-o de violência e
desvio de verbas.
Segundo se
pode depreender do noticiário e editoriais do jornal A Reforma, na década
de 1920 O Município foi defensor do prefeito local Agnello de Souza,
motivo de desavença entre os dois periódicos. Na década de 1930, a redação
de O Município continuava com Pedro Leite como proprietário, diretor
e principal redator, e com Henri Frossard como gerente. Ademais, era impresso
nas oficinas de Frossard.
Demonstrando revolta pelo assassinato de João Pessoa no Recife, o jornal
aplaudiu a Revolução de 1930, publicando diversos telegramas a respeito das
mudanças de governo no Acre – ver, por exemplo, a edição de 2 de novembro
daquele ano. Na edição de 22 de fevereiro de 1931, no entanto, o semanário
queixava-se da censura prévia em suas edições, por ordem do interventor da
revolução no Acre, Francisco de Paula Assis Vasconcellos (os jornais
locais A Reforma e O Arraial também a sofreram). Em 4 de
outubro, voltaria a se queixar, tanto pela censura, quanto pela construção de
estradas consideradas inúteis no Acre. No geral, apesar de apoiar Getúlio
Vargas, elogiando medidas diversas e repudiando a Revolução Constitucionalista
de 1932, o pior do governo para o semanário eram suas atitudes em relação à
imprensa (em 25 de setembro de 1932, o jornal fora intimado a mandar um
representante à delegacia de polícia local).
A partir de 29 de novembro de 1931, Henri Frossard substituiu Pedro Leite na
direção e na propriedade do jornal, acumulando ainda a gerência da publicação.
Pedro Leite permanecia no cabeçalho apenas como fundador. No início de 1932, o
jornal revelava passar por uma crise, o que também vinha ocorrendo em outros empreendimentos
locais, vítimas da desvalorização da borracha no mercado externo.
Após o lançamento da edição 904, de 19 de fevereiro de 1933, a circulação foi
suspensa temporariamente. O nº 914 é datado de 30 de maio de 1937, sugerindo um
hiato de cerca de quatro anos. As edições de 1937 contavam com o retorno de
Pedro Leite como diretor, com J. Barroso Duarte na gerência e Floriano Brasil
como administrador de oficinas.
Segundo Rauana Batalha Albuquerque, no artigo “De Bilac a Xisto: Manifestações
poéticas nos jornais tarauacaenses (1900-1920)”, O Município foi
extinto em 1937. A última edição pode ter sido a de nº 936, de 26 de dezembro
de 1937.
Fontes:
- Acervo: edições do nº 1, ano 1, de 28 de setembro de 1910, ao nº 328, ano 9,
de 4 de agosto de 1918; edições do nº 762, ano 21, de 5 de janeiro de 1930, ao
nº 904, ano 24, de 19 de fevereiro de 1933; e edições do nº 914, ano 25, de 30
de maio de 1937, ao nº 936, ano 27, de 26 de dezembro de 1937.
-
ALBUQUERQUE, Rauana Batalha. De Bilac a Xisto: Manifestações poéticas nos
jornais tarauacaenses (1900-1920). Anais do SILEL. Vol. 1. Uberlândia: EDUFU,
2009.
- BRYAN,
Samuel. O sonho da autonomia acreana. Agência de Notícias do Acre. Disponível
em: http://www.agencia.ac.gov.br/index.php/noticias/acre-50/19852-o-sonho-da...
Acesso em 8 ago. 2012.
- NEVES,
Marcos Vinícius. 1910 – A Revolta dos Cem Dias. Disponível em:
http://www.jorgeviana.com.br/index.php?option=com_content&view=article&i...
Acesso em 7 ago. 2012.
- Tarauacá. IBGE Cidades. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 7 ago. 2012.
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