VOO 4823: A PIOR TRAGÉDIA AÉREA REGISTRADA NO ACRE COMPLETA, HOJE,
17 ANOS
“Eu vi a
morte na minha frente”. A frase pertence à aposentada, Maria de Fátima Meireles
de Almeida, sobrevivente do maior desastre aéreo registrado no território
acreano. Pode até parecer dura, mas se levamos em questão a magnitude do
acidente e a estatística de sobrevivência, das condições, logo concluímos: Foi
um milagre!
A data é
sexta-feira, 30 de agosto de 2002. O Voo 4823 da Rico Linhas Aéreas com
procedência de Cruzeiro do Sul, fez uma escala no aeroporto de Tarauacá. Dali
até a capital, estimativa de uma hora de voo. O dia estava lindo, no horizonte
um belíssimo por do sol. A bordo da aeronave Brasília/ PT-WRQ, havia 34 pessoas
(incluindo a tripulação). O trajeto do avião começou tranquilo até que ao se
aproximar de Rio Branco, o tempo escureceu, uma chuva leve caia e o piloto
Paulo Roberto Tavares e o co-piloto, Paulo Roberto Nascimento pediram
autorização para pousar no aeroporto da capital. Depois de algumas iniciativas
de pouso, eis o último diálogo entre a Torre de Comando (TC) e a tripulação:
[Torre C.] – reporte avistando ou iniciando a arremetida, 4823!
[Aeronave Rico]
– Dois Três!
[Torre C.] – 4823 três informe a sua posição e confirme o trem de pouso!
(Nesse
momento, o comandante deixou de responder e o silêncio pairou nas gravações da
caixa preta).
Após esse
diálogo e sete tentativas de pouso, um forte barulho foi registrado. A aeronave
chocou-se ao solo, bem numa propriedade particular no ramal do Chapada, divisa
entre Rio Branco e Bujari. Antes, porém, atingiu árvores e animais que estavam
no pasto. Há quatro quilômetros da cabeceira da pista, vinte três pessoas
morreram e apenas oito sobreviveram. O Acre parou após o acidente que vitimou
políticos, empresários, funcionários públicos e a própria tripulação. O Acre
ainda continua de luto e jamais vai esquecer.
O SOCORRO ÀS VÍTIMAS
Os
trabalhadores da fazenda aonde a aeronave caiu, foram os primeiros a prestar
socorro às vítimas. Não havia veículo para levar os feridos. Com a chuva que
caia, o ramal ficou intrafegável. Enquanto isso, a imprensa já havia sido
chamada para cobrir o acidente na cabeceira 06. Na época, a equipe da TV Rio
Branco, que usava uma caminhonete traçada, foi a primeira a chegar ao local.
A
jornalista, Lenilda Cavalcante, foi uma das interlocutoras que chamou a
população, a pedido do Corpo de Bombeiros que não tinha suporte para atender
grandes acidentes, para que comparecesse com outras caminhonetas para ajudar no
socorro aos feridos.
O carro
levou três pessoas em estado grave. Enquanto isso, na porta do PS, diversos
profissionais da saúde preparavam as salas que seriam usadas para atender os
feridos. Maqueiros que estavam saindo do plantão não tiveram outra opção a não
ser ficar. Policiais militares também foram designados para esse serviço.
“Lembro que entrei para trabalhar de tarde e
quando olhei para a janela já era manhã. O trabalho passou tão rápido que
esqueci até de jantar. Durante muitos dias não conseguir dormir, pois as cenas
fortes ficaram na minha memória”, lembrou o funcionário Oterval Cavalcante,
superior à época dos maqueiros do PS.
Oterval foi
quem levou até a sala de emergência o deputado federal, Idelfonso Cordeiro, que
faleceu na unidade hospitalar. Idelfonso na companhia de sua esposa, Arlete
Soares de Souza, e de empresários do Juruá, iria participar da penúltima noite
da Expoacre. Cordeiro foi eleito deputado no ano de 1998, o terceiro bem mais
votado do Acre.
VELÓRIO COLETIVO
A cerimônia
fúnebre dos 23 passageiros do voo 4823 foi comovente e uniu o estado por
completo. Talvez, nenhuma situação uniu tanto o povo do Acre. Em Rio Branco, a
Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) e o Colégio Barão do Rio Branco (CERB)
foram usados como capela para velar os corpos.
Depois de
embalsamados, os corpos foram transladados para Cruzeiro do Sul. Ao chegar ao
Juruá, dois carros do corpo de bombeiros, esperavam no Aeroporto. Uma rápida
cerimônia foi realizada com a participação de milhares de pessoas. Em cortejo,
percorreram as principais ruas da cidade. Os comerciantes fecharam as portas em
homenagem às vítimas. Havia pranto nos quatro cantos da cidade.
A CAUSA: FALHA HUMANA?
Qual foi a
causa? Essa pergunta até hoje não possui resposta satisfatória ou categórica.
Uns falam em “Tesoura de Vento”, outros em falta de combustível, e ainda existe
quem defenda a hipótese de falha no aparelho. Porém, um laudo pericial do
Centro de Investigações e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) tirou a
hipótese de falha mecânica, elétrica ou hidráulica. Havia combustível
suficiente. “Falha humana” poderia
ter sido apontada como causa do acidente, no entanto, o documento técnico
apresentado em 08 de julho de 2004 concentra-se em dizer que é de caráter
preventivo ou de alerta. Ou seja, não acusa com propriedade se foi ou não falha
humana.
Em um dos
trechos do laudo pericial composto por 26 páginas, o CENIPA descartou a ideia
de que “eventos metrológicos
pudessem levar a aeronave a altitudes anormais ás de deslocamento na
aproximação final para pouso. Quatro testemunhas sobreviventes informaram não
haver turbulência durante a aproximação, até o momento do impacto” e que
“o combustível remanescentes nos tanques da aeronave contava com cerca de
1.057kg, suficiente para uma autonomia de aproximadamente 2h30min de voo”.
Outro fator
que chamou atenção no laudo foi o perfil psicológico dos tripulantes. Durante
as pesquisas e diversas entrevistas realizadas pelo órgão, foi constatado
“ansiedade, aspecto perceptivo e da atenção, hábitos adquiridos, improvisação,
excesso de autoconfiança e relacionamento interpessoal entre eles”. È possível
que a junção desses aspectos tenha propiciado uma situação onde se consta que
as normas de Segurança de Voo na operação da aeronave não foram adequadamente
observadas e consideradas.
Além disso,
o laudo citou que havia uma pressão, mesmo que inconsciente, para que a
aeronave pousasse em Rio Branco naquela noite, em virtude dos passageiros que
transportava serem de influência. Afinal, o voo transcorreu sem nenhum problema
que fosse de conhecimento dos órgãos de controle e até mesmo dos passageiros
sobreviventes que foram entrevistados durante a investigação. É possível ainda
que a carga de ansiedade e tensão na tripulação em virtude de estarem
realizando um voo noturno, sob condição de mau tempo, tenha gerado falhas de
percepção.
O laudo do
Cenipa foi assinado pelo coronel-aviador Mauro Roberto Ferreira Teixeira, chefe
do Cenipa à epoca e pelo brigadeiro-do-ar, Astor Nina de Carvalho Netto, na
época, comandante da Aeronáutica.
TONELADAS DE DESTROÇOS
Na Fazenda
dos Alves, no Ramal da Chapada, a perícia encontrou objetos do aparelho a 650
metros de distância. O Departamento de Aviação Civil (DAC) retirou nove
toneladas de destroços do avião. A caixa-preta onde armazenou o último diálogo
do comandante com a Torre de Comando foi enviada para São José dos Campos (SP)
para análise.
Um inquérito
policial foi instaurado em setembro de 2002 pelo Ministério Público Federal
(MPF) e encerrado oito anos depois. Tal inquérito apurou a responsabilização
penal dos possíveis responsáveis pelo acidente.
‘UM PROTEGIDO POR DEUS’
De passagem
marcada para Porto Velho, o empresário Roberto Lima recebeu um telefonema
momentos antes de embarcar em Cruzeiro do Sul, no Voo 4823, que a reunião no
seu trabalho fora cancelada. No saguão do aeroporto no Juruá, a movimentação
era grande. Todo mundo queria desembarcar na capital para ir à Expoacre.
Roberto cedeu o bilhete para alguém e foi para casa na companhia de Etelvina
Lima, hoje, sua ex-esposa.
Horas depois
de retornar do aeroporto, foi através de um rádio, enquanto jantavam, que casal
ficou sabendo da queda do avião. No acidente, morreram conhecidos e amigos
íntimos dos dois. “Naquela hora, ‘o
mundo caiu aos nossos pés’ (...) Meu ex-marido entrou em desespero, ajoelhou,
agradeceu aos céus por não ter embarcado. Até hoje digo que ele foi um
protegido por Deus, pois poderia ser uma das vítimas”, enfatizou Etelvina
Lima em entrevista concedida para reportagem do Jornal O Rio Branco, em
2015.
Outras
pessoas e ilustres da cidade também não embarcaram devido à movimentação e o
excesso de passageiros. O empresário Júnior Betão, desistiu na hora de
embarcar.
VÍTIMAS FATAIS:
Paulo Roberto Freitas Tavares (comandante), Paulo Roberto
Nascimento (co-piloto), Kátia Regina Figueiredo Barbosa (comissária), Luís
Marciel Costa, José Waldeir Rodrigues Gabriel, Francisco Darichen Campos,
Ildefonso Cordeiro, Arlete Soares de Souza, Maria de Fátima Soares de Oliveira,
Walter Teixeira da Silva, Francisco Cândido da Silva, Ailton Rodrigues de
Oliveira, Carina Matos de Pinho, José Edilberto Gomes de Souza, Maria Alessandra
de Andrade Costa, Geane de Souza Lima, Rosimeire dos Santos Lobo, Raimundo
Araújo Souza, Maria Raimunda Iraide Alves da Silva, Maria José Pessoa Miranda,
João Alves de Melo, Rosângela Pimentel Cidade Figueira e Clenilda Nogueira.
SOBREVIVENTES:
Napoleão
Silva, Raceni Cameli, Maria Célia Rocha, Theodorico de Melo, Maria de Fátima
Almeida, João Gaspar, Maria José Albuquerque e Luiz Wanderlei. FONTE:
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